domingo, 27 de dezembro de 2015

Coisas em comum

A nossa amiga fala o português muito mal, e ao me ver escrevendo isso aqui, ela disse:

"Não. Eu fal bem. Bem poca."

Ela diz: "Bom di." "Cafê." e "Télôgo.” Ela chega, dizendo “Bom di. Whats the weather like?” Eu respondo: “raining”.

Connenc ça va?” ou então  “Coment vas-tu?

É nitido francês. E eu: “Sava ben. Merci.

Isso, ela está falando português. Imagina. Ela não usa tradutor porque quer aprender a falar. E isso é falar bem o português, e eu compreendo. Já estou até estudando francês. No espanhol eu já quebro o galho, o inglês eu entendo bem, e em italiano... Eu sei pedir pizza.

Então me entendo bem com ela. Começamos falando português, depois vamos para o inglês, francês, espanhol, italiano. Ela entende, mas não fala. Fala com sotaque estrangeiro. A língua oficial dela é o inglês, que ela faça perfeitamente e tem um belíssimo francês também.

Ela se criou aqui no Brasil, em um orfanato no interior de SP, conforme nos contou, e não falava quando criança, só observava. Ela entendia as coisas como entende, mas não falava, achavam até que ela era autista. Ela passava a maior parte do tempo sozinha, afastada, não interagia com as outras crianças, nem com os adultos, por isso não aprendeu a nossa língua. Ela conta que se sentia diferente dos demais, sabia que não era igual a eles, e por isso se mantinha longe. Cresceu observando o mundo ao seu redor, por detrás das portas e cortinas, procurando entendê-lo. Toda sua infância foi assim, deslocada, nunca se entrosou com ninguém. Ela não fala sem sotaque, mas escreve e entende muito bem tudo o que eu digo. É só uma questão de pronúncia, como todo estrangeiro tem. Antes ela nem sabia quem ela era, depois que os seus pares fizeram contato e começaram a instruí-la, ela ficou sabendo quem era, e compreendeu que estava certa sobre sentir-se diferente dos demais. Ela saiu do Brasil depois disso. Eles vieram pegá-la e a levaram para a Califórnia, onde ela passou a viver e onde é seu endereço oficial atual. Só estou relatando isso, pra explicar por que, se ela cresceu aqui no Brasil, não fala português fluentemente. Como já dissemos, ela não usa o tradutor, porque quer aprender normalmente como todos, a falar a língua do lugar onde se criou. Aliás, é exatamente pra isso que ela foi mandada pra cá, para viver como os terráqueos. 

A escrita dela é completamente diferente da nossa -- a escrita que ela usa pra mandar os relatórios das pesquisas que faz lá pro pai dela, em Capela. O pai dela é geneticista. Aqui na Terra ela usa a nossa escrita, conforme a língua do lugar onde ela está pesquisando. Pelo tradutor, ela entende qualquer idioma aqui da Terra, mas ela quer falar como os nativos do lugar, pra aprender. É isso o que ela faz, estuda a língua local, a cultura os hábitos, e o meio de vida do país para o qual a mandaram pra pesquisar. Ela estuda o homem e sua cultura, é antropóloga.


Quando ela me viu escrevendo, me disse: “Ahhhh!” Apontando minha letra A. Eu só escrevo em letras maiúsculas, para entenderem a minha letra, e o meu A é uma pirâmide, e o A dela é igual. Ela observou isso e me falou dessa igualdade. Aliás, isso realmente chamou a atenção dela, e ela escreveu a letra A dela em forma de pirâmide também. Aí quem observou fui eu, ela só escreve em maiúsculas e com tinta verde. Eu também só escrevi assim com tinta verde, depois que comecei a usar caneta preta ou azul, por recomendação da minha tia. Ela, minha tia, só escrevia em maiúsculas, seu A era uma pirâmide, e sua tinta, verde. Não sei explicar por que.

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