Quando eu morava em SP, eu vim
para Belém, para o nascimento do meu sobrinho. Quando ele já estava com oito
meses, eu voltei pra São Paulo. Assim que ele aprendeu a falar, conversava
comigo ao telefone e dizia pra mim: “Vem!
Vem logo.”
Faltavam dois meses pra ele fazer
3 anos eu voltei pra Belém. Quando eu cheguei, todo mundo naquela confusão, me
abraçando, e ele lá me olhando... A mãe dele disse: “Venha, meu filho, falar
com a tia Ana, a Tia Mana.” E ele lá parado me olhando, calado. A avó o pegou e
foi conduzindo ele pro meu lado: “Vá falar com a titia.” E ele desviando de
mim, me olhando. A mãe dele: “Por que não dá um abraço na titia? Era ela que
falava contigo no telefone.” E ele longe, parado, me olhando...
Mostrei os
pacotes de brinquedo que trouxera pra ele, e ele foi abrir o pacote, já todo
interessado.
Dizia: “Olha esse! E esse!” Aí eu perguntei: “Gostou?”
E ele respondeu: “Lális, vamos
brincar!”
Então eu entendi... Eu não era a
Ana, era a Lális, que ele já conhecia de outras épocas, quem sabe. Então ele
estava confuso, de me apresen
tarem como Ana, se eu era a
Lális.
Pronto. Virou meu amigo de
infância. Brincamos com os carrinhos, com um carrão que era um ônibus azul, que
ele sentava em cima e impulsionava com o pé, para andar. Foi a diversão do
resto da noite. Daí pra frente ele se agarrou comigo de tal maneira, que eu era
a sua companhia preferida de brincadeira. Nas nossas brincadeiras, ele me
dizia: “Lális, faz aquilo!” E eu não sabia o que era “aquilo”. Aí ele me
mostrava: “faz aquilo assim, ó.” E eu fazia de conta que me lembrava. Ele dizia
me corrigindo: “Não! Não é assim, é assim... Fica aqui, agora diz...” e ele me
dizia o que queria que eu dissesse. Ele sempre me instruía nas brincadeiras, do
modo como estava acostumado a brincar com a Lális.
Ele cresceu, me surpreendendo nas
nossas conversas, brincadeiras e atitudes dele comigo. Com certeza tivemos uma
vida passada juntos, onde eu era a Lális e ele era Luís Salomone. Era esse o
nome que ele usava nas brincadeiras, dito por ele mesmo.
Ninguém prestava atenção nessas coisas,
o pessoal em casa é incrédulo, e olha que já viram coisas, presenciaram fatos, acontecimentos,
mas são cabeça dura nesse sentido.
Quando eu me mudei pra Belém ele
ficou ainda mais agarrado comigo, vinha pro meu quarto se embalar na rede comigo,
me pedia pra contar histórias, e corrigir as histórias. “Não, não é assim,
Lális. É assim.” Até as histórias que a Lális contava pra ele, ele sabia, e não
admitia que eu contasse errado. Isso, não era nada, a cara que ele fazia me
olhando, sem entender porque eu contava a história diferente. Era uma cara de: “puxa,
porque ela está fazendo assim, isso não é assim...” Aí ele contava como era o
jeito certo da história.
Por volta dos oito anos, ele
começou mais a brincar sozinho. Já vinha poucas vezes ficar comigo, mas quando
novinho, ele me questionava muito. “Tu não sabe mais não, Lális?”, ele me perguntava.
“Não é assim!” Ele não entedia porque a minha atitude. Muitas brincadeiras
aprendi de novo, com ele. Ele me ensinava como brincávamos daquilo. Fizemos desenhos,
escrevemos histórias juntos. “O menino da Lanterna Azul” era a preferida.
Depois era o “Sono do Sol”, “A Cabeleira da Berenice, a Estrela” e outras que
íamos recordando. Resgatei uma parte dessa vivência nossa e nunca forcei nada,
vinha normalmente, natural. Nunca fiz perguntas a ele. Ele que me fazia
perguntas, que eu não sabia responder, porque eu não lembrava.
Ele via coisas. Um cachorro
branco no telhado da lavanderia. E me dizia baixinho: “Olhá lá, o cachorro
branco!”. Ele adorava ver a chuva, que chamava de “fuva”. Ele falava
corretamente, mas em algumas palavras, ele se atrapalhava. Como tranquilo, que
ele dizia “contrilo”. Amplidão era “amplilidão”. Desilusão, ele dizia “desulçlição”.
Ele adorava cantar Lua Azul.
“Lua azul, azul da cor do mar,
devolve o meu amor, que é hora de amar, esperei a noite inteira, contando
estrelas na amplidão...”, ele dizia ampilidão, mas ele adorava isso!
“Viver assim dessa maneira, numa
cruel desilusão...”, ele dizia delisulão.
Cantava isso perfeitamente
entoado, era a música preferida dele eu nunca entendi por que.
Devemos prestar atenção nas
crianças com comportamentos assim, porque até os sete anos, eles estão vivendo
as duas vidas, a passada e a presente. Estando com eles, e ouvindo o que dizem,
poderemos saber até mesmo quem somos e se estávamos presentes na sua vida
passada. Eu estava na vida passada do meu sobrinho, com certeza, eu era a Lális,
nunca fui a Ana pra ele, e até hoje, com 18 anos já, ele me chama Lális. Às
vezes ate tenta se corrigir usando Ana, mas a naturalidade da presença da Lális
é tanta que quando ele nota, já chamou pela Lális.
Esse foi um dos acontecimentos
mais marcantes da minha vida, até agora. E olha que muita coisa já aconteceu
comigo. Tenho contado as minhas histórias aqui pra vocês, porque a minha vida
sempre foi assim, com coisas desse tipo acontecendo comigo. Coisas que eu não
sei explicar. Acontecem.